14 de outubro de 2008

E a vida continua...

Era 2006 e o nome dele era L. Eu o conhecia desde menina e naquela tarde de domingo eu o vi sentado encolhido, acuado, numa calçada próxima de casa, de bermuda branca, descalço e sem camisa. O olhar parado. Quando passei dentro do carro ele me olhou e eu pensei: "Deve estar na febre." Mas não o medo que pude ver no seu olhar era de desespero. Olhar de quem sabe que o fim está próximo, mas não há nada a ser feito. Quem mandou fumar demais e esquecer de fazer as anotações das vendas? Agora, R$1.200,00 aproximadamente não se arruma em tão poucas horas. A saída? Fugir, claro. Correu dalí com a ajuda da família, foi morar na casa de parentes distantes, teve que arrumar emprego e viver honestamente. Hoje aos 25 anos, trabalha numa oficina mecânica, nunca mais voltou para o tráfico, mas continua puxando seu baseado. Bem, pelo menos está vivo.

Em 1999, LF. aos 20 anos, cheirou demais, cheirou R$700,00 e não tem como pagar. No desespero pensou em se jogar da passarela da Linha Amarela. Sorte um amigo chegar a tempo e segurá-lo. A família se juntou e conseguiu a quantia. Não conseguiu largar o vício e depois de tantas mancadas que deu, os gerentes da boca decidiram expulsá-lo do movimento para não ter que matá-lo. Hoje não tem mais nada, só restou o pó.

Ontem quando saía, ironicamente do curso de Conselheiro em Dependência Química meu celular tocou. Era uma amiga ligando pra dar a notícia que R. de 23 anos havia falecido. Morreu se debatendo na calçada depois de muito fumar Crack. Abandonado por todos, ninguém foi em seu socorro. Quem passava por perto, fingia não ver. Infelizmente, não era a primeira vez. Há mais ou menos 2 anos eu o vi em situaçao semelhante: Catando os papelotes na rua e lambendo como se fosse um morto de fome e de fato era.

Quando desliguei o celular me dei conta que você até pode sair da favela, mas a favela não sai de você.

Por que eu entrei neste curso? Porque não aguento mais ouvir e ver histórias assim. Por que sei que o dependente não passa de mais uma vítima desse sistema cruel e assassino. Por que sei que é muito mais fácil criticar o infeliz, safado, filho da puta que dá um tapa ou um teco do que procurar entender e conhecer a história da pessoa e ajudar. E como eu nunca escolhi o caminho mais fácil... Mas principalmente por que acredito que todas as pessoas têm jeito, basta ter gente disposta a estender as mãos.

 Sinceramente, quantos gramas de pó são suficiente para consumir uma vida?
 


"A revolução não está no querer. Ela está no proceder."
Mv Bill

11 comentários:

  1. Olá Nana, que bom ter vc novamente, postando com tempo... E foi muito bom teu relato, foi forte, real, triste, mas esperançoso. Saber que pessoas acreditam, como vc acredita me dá esperança e me faz sentir que não estou só nessa luta, que é a luta de estendar as mãos aqueles que estão fora da engrenagem... E gostei mto da frase do MV Bill... Esse cara sabe o que diz... Vc já leu Cabeça de Porco, dele?
    Bjs
    Leandro

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  2. Já estava com saudade das suas palavras, menina!!! Que bom que vc voltou!!
    Realmente, "vc pode sair da favela, mas a favela não sai de vc."
    E é triste vermos esses jovens se acabando por tão pouco, a dependência química eu creio que seja uma doença incurável, mas que tem como amenizá-la. E como eu fiquei feliz em saber o porque andas sumida!! Ê menina que me mata de orgulho!!
    Beijão, linda!

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  3. Valeu pelo post da volta.
    Também me preocupo com esta questão: Quantas gramas serão necessárias para destruir uma vida?
    Quantas foram necessárias para começar este processo de destruição.
    Sinto muito em ver tanta gente desistindo da vida assim desta maneira.
    Beijos Nana!

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  4. ...pois é, dá dó ver essa galera acabando com a vida! Mas, e muitos deles têm outra opção? O Brasil nosso de cada dia precisa mostrar para eles as outras opções...=/
    Beijos, Nana!

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  5. "Sinceramente, quantos gramas de pó são suficiente para consumir uma vida?"

    R: +/- 3gr. A quantidade suficiente do primeiro teco!

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  6. Amigos, infelizmente não voltei =/

    Agora meu monitor queimou e como a grana está curta não sei quando voltarei para ficar!
    Beijos em todos e enormes saudades!

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  7. É...e a vida continua...

    Continuamos te esperando, fica tranquila, menina linda!

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  8. Eu fico aqui pensando numa coisa: às vezes desistir da vida é a única saída pra alguém de quem a vida desistiu há muito tempo... Pra sair de um estado desses, há que se encontrar por que e para que viver, caso contrário não acontece.
    Bonita e absurdamente necessária a sua disposição para ajudar, eu não sei se teria estrutura emocional para isso. Parabéns. É por essas e outras que eu gosto muito de ti!

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  9. Feliz por você ter escolhido tão difíssil missão minha lindinha.
    Tenho três filhos e maior medo como mãe sempre foi um dia ter que lidar com um problema desses, mas graças a Deus nenhum deles escolheu esse caminho se é que se escolhe
    Cada vez mais eu te admiro e respeito e rogo a Deus que te ilumine mais ainda pois seu caminho é de luz e muita luz.
    Beijos Nana, tudo você pode naquele que te fortalece, nunca se esqueça.
    Eu te amo muito!
    Vovó Rô!

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  10. Muito bom teu desabafo, Naninha!

    A questão das drogas vai muito além do âmbito da saúde pública. O tráfico movimenta uma engrenagem monstruosa que abrange desde a favela até o poder constituído e as instituições que, paradoxalmente, deveriam nos proteger do crime organizado e do mal que ele nos impinge. As somas envolvidas são inimagináveis. As pessoas, minha querida Nana, são apenas peças e o sangue dos inocentes só tem a função de azeitar as rodas desta engrenagem perversa.

    Beijo cheio de saudade!

    Urbano

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  11. Naninha, fica chateada não mas...
    Olha, eu morro de pena quando vejo alguém nessas condições que vc descreveu aí. Mas, sabe, tem coisas que eu não entendo. Por exemplo,
    se a pessoa sabe que drogas não prestam, por que é que se metem com elas?
    Juro pra vc que não entendo isso.
    Ninguém está livre de entrar numa dessas ou até pior do que "essas", eu sei.
    Mas é difícil de entender.
    Desculpa aí a minha ignorância viu?
    Afinal, a gente só compreende a dor quando a sente não é?
    Beijos e bom fds.

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